Revisão da 1a Unidade do curso + glossário (texto/discurso, mímese/diegese, topic/isotopia)

Queridos e queridas,

Como combinado, partilho com vcs. uma súmula dos itens explorados na 1a unidade da disciplina, discriminando seus dois sub-temas principais - que serão declinados logo a seguir.

Ademais, partilho com todos um glossário de termos-chave explorados no decorrer da unidade - e organizados todos a partir de uma configuração em pares opositivos/complementares, no espírito da complexidade que me parece regular a exposição minimamente significativa desses conceitos.

Espero que tudo isto seja de auxílio, na evolução de cada um de vcs., para o enfrentamento das questões da 1a Avaliacão Parcial.

Atenciosamente,

Benjamim

Introdução às Teorias da Narrativa (GEC 114)
Revisão da 1a Unidade do Curso

Esta unidade do curso contemplou ao menos três núcleos temáticos principais, que serão devidamente refletidos no universo das questões da avaliação. Podemos discriminá-los na seguinte ordem de aparição, no decorrer das sessões expositivas do curso: 

a. um esforço para delimitar as fronteiras externas e internas do conceito de narrativa (tema da sessão do dia 16/04); 
b. a estruturação discursiva da narrativa, especialmente em torno das noções de topic e isotopia – e em suas relações com a conotação poética do “tema” (assuntos tratados na sessão do dia 30/04); 
c. as particularidades da isotopia como prorpiedade do discurso narrativo, implicadas na caracterização de uma estrutura mínima e coerente da fábula (temas abordados na sessão dos dias 07 e 14/05).

a. No que respeita o primeiro eixo temático da unidade (aquele das “fronteiras da narrativa”), exploramos a constituição “textual” ou “discursiva” (ver verbete sobre “texto/discurso”) dos formatos narrativos, de modo a primeiramente não deixar alienados entre si os aspectos da teorização sobre narrativas que se originam não apenas da sede “literária” na qual a maior parte dessas disciplinas se gestou (e que foi consagrada pelas vertentes poéticas dessas teorias), mas sobretudo no aspecto de sua organização como “produção discursiva” – ou, mais especificamente, como “ordenação textual” (ver verbete sobre “texto/discurso”): com isso, nos permitirmos a incorporar às vertentes literárias das teorias narrativas tudo aquilo que, em nosso campo de estudos, implica outras ordens semióticas de materialização da narratividade – como é o caso dos formatos audiovisuais que abundam na cultura dos modernos meios de comunicação (como aqueles casos listados no início do texto de Roland Barthes). 

No que respeita aspectos de manifestação discursiva da narratividade, visamos firmar as condições nas quais a representação de ações, nos padrões textuais que consagram as formas narrativas, pertencem a um gênero dos universos da expressão discursiva, no interior dos quais certos princípios gerais de funcionamento são comuns a todas elas - assim como outros que consagram a peculiaridade da narrativa como forma de representação de ordens de eventos e seus agentes. Assim sendo, precisamos reconhecer aquilo que, na delimitação do objeto dessas teorias, deverá implicar a assimilação das narrativas a ordens discursivas e textuais mais vastas (como a questão do “topic” e da “isotopia”, a serem abordados na segunda parte dessa exposição) ou como características singulares e irredutíveis do discurso propriamente narrativo (como as noções de “episódio” e “fábula”, a serem tratadas na última parte desse texto). 

Com o apoio dos textos de Roland Barthes (“Introdução à análise estrutural da narrativa”) e Gérard Genette (“Fronteiras da narrativa”), constatamos os desafios conceituais e empíricos de uma aproximação teoricamente sistemática das formas narrativas, uma vez consideradas as variedades de sua manifestação e de funções nas sociedades humanas, assim como as dificuldades de considerar sua delimitação, em vista de muito daquilo que guarda semelhança com a narratividade, mas encontrando-se mais próximo de categorias como a “imitação”, a “descrição” e o “discurso”. Mais especificamente com Genette, exploramos a primeira dessas fronteiras a serem traçada na reflexão sobre a narrativiadade – a saber, aquela que delimita o espaço das duas grandezas da “mimese” e da “diegese” (ver verbete sobre “mimese/diegese”) – e a medida na qual podem implicar uma má apreensão da tradição sobre o papel da imitação em contextos propriamente narrativos (quando, segundo Genette, sequer se pode falar rigorosamente em “mimese” pura). 

De uma maneira geral, podemos chegar ao ponto de identificar a narrativa com uma modalidade de “representação das ações”, o que ainda assim não designaria suficientemente um objeto de exame, devidamente separado do universo mais geral desse tipo de representações (como poderia ser o caso da pintura, da fotografia, do drama encenado e do cinema): para alcançarmos um tal grau de exatidão do conceito de narrativa, reconheçamos de saída que a maior parte das obras narrativas que conhecemos possui um universo das ações, seja como seu tema (uma viagem, uma fuga, um encontro, um combate, dentre outros), seja como componente de boa parte de suas situações (diálogos, confrontos, resoluções, etc.). Por outro lado, a noção de “representação” implica dois regimes de remissão aos universos narrativos, um dos quais seria mais claramente associado ao perfil narrativo (a “diegese”), ao passo que o outro se identifica com a propriedade do narrar apenas condicionalmente (a “mimese”). 

Com o auxílio de Genette, descobrimos que essas distinções no interior da “dicção” ou lexis narrativa possuem uma matriz histórica de justificação (a saber, as tensões que emergem das mutações havidas no teatro, à época de Platão e Aristóteles) e as diferenças que isso acentuava entre os regimes representacionais do discurso narrativo e de sua atualização em poemas dramáticos, encarnados na encenação teatral. Verificamos que este problema se acentua para nós, pois boa parte dos formatos culturais que atualizam essa duplicidade representacional do “dizer” e do “mostrar” encontram-se nos formatos audiovisuais da modernidade, por exemplo. Neste quesito, vimos que Genette reintroduz a questão dos imperativos “diegéticos” das formas audiovisuais, não obstante sua significação liminarmente mimética (como é o caso paradigmático da ficção narrativa no cinema clássico): nas gramáticas audiovisuais que conhecemos, aplica-se portanto o preceito genettiano de que “toda mimese é diegética” (sem que, com isso, precisamos voltar ao preceito platônico da condenação da mimese, em favor da pura dicção narrativa, já que, a rigor, não haveria imitação pura no contexto de poemas dramáticos, a não ser em casos excepcionais, como o dos diálogos encenados). 

“Ora, resulta que nesta perspectiva, a noção mesmo de imitação sobre o plano da lexis é uma pura miragem, que desaparece à medida que nos aproximamos dela: a linguagem só pode imitar perfeitamente a linguagem, ou, mais precisamente, o discurso só pode imitar perfeitamente um discurso perfeitamente idêntico; em resumo, um discurso só pode imitar ele mesmo. Enquanto lexis, a imitação direta e, exatamente, uma tautologia.” (GENETTE, 2009: 271) 

b. Ao tratarmos do segundo eixo temático da unidade, acompanhamos um maior detalhamento das formas narrativas, a partir das especificações feitas a sua estruturação mais genericamente discursiva – nos modos como são pensadas a partir de certos ramos de uma teoria semiótica dos textos: neste ponto (com o apoio de Umberto Eco e Ugo Volli), exploramos as categorias de topic e “isotopia” (ver verbete sobre este par conceitual mais abaixo), definindo-as a partir de sua correlação, seja com propriedades de um sistema semântico que estrutura o funcionamento do texto, seja com as dinâmicas pragmáticas de seu acionamento por atos de interpretação ou de leitura. Em outras palavras, as duas noções se endereçam, de um lado, a princípios de organização interna que caracterizam a coerência efetiva de qualquer manifestação discursiva de sentido (a isotopia), e, de outro lado, as condições nas quais certas chaves de leitura (ou percursos de sentido) desses textos dependem necessariamente do acionamento feito por atos de leitura e interpretação (o topic). 

Neste último caso da fixação de um topic, devemos considerar a centralidade dos processos de leitura e compreensão (não apenas de narrativas, mas de qualquer expressão discursiva através de uma seqüência textual): a possibilidade de se individuar um “tema” de qualquer seqüência discursiva – qualquer que seja sua extensão, indo de um nome próprio a obras inteiras – é uma faculdade implicada no exercício da estipulação interpretativa que se pode fazer de tais seqüências, a partir de sua manifestação determinada - como aquela oferecida pelo exemplo de Volli, quando declina uma enumeração de substâncias (ovos, leite, farinha, açúcar), discriminadas por diferentes unidades de medida (gramas, colheres e as quantidades correspondentes), indicando a nós um possível topic da seqüência. 

“Dado, por exemplo, um texto como ‘tome 200 g de farinha, 4 ovos, uma colher de manteiga e 100 g de açúcar’, o topic selecionado será alguma coisa como ‘receita de cozinha’. Se, todavia, o leitor é um pouco mais especializado em matéria culinária, pode propor um topic mais analítico, do tipo : ‘receita de como preparar um macarrão macio’. A escolha e o nível de analiticidade de um topic depende em parte da competência enciclopédica do leitor.” (VOLLI, 2007: 83) 

Por outro lado, a “isotopia” constituiria um conjunto determinado de propriedades textuais requisitadas ao texto (em sua estruturação discursiva ou seqüencial), de modo a permitir ou autorizar ou sancionar uma determinada decisão interpretativa acerca de um topic: no caso da receita culinária, mencionada logo acima, diríamos que a possibilidade de fixar o assunto da seqüência textual decorre precisamente do modo como o texto põe à luz determinados sinais semânticos de sua coerência – como quando articula repetidas vezes, no momento de declinar os ingredientes da receita, a relação entre as substâncias e suas respectivas quantidades (o texto faz esta operação por 4 vezes, o que sinaliza uma coerência ou isotopia própria a esta etapa inicial do protocolo de uma receita). 

Esta matriz de reiterações certamente se prolongará, na parte mais “dinâmica” do receituário, quando as operações de feitura do bolo implicarão novas menções a estas mesmas substâncias, agora no contexto da seqüência de ações relativas à sua combinação. Este conjunto de redundâncias semânticas é a operação da isotopia discursiva acontecendo – ou seja, a explicitação reiterada dessas figuras, de modo a que reconheçamos que o percurso de sentido do texto permanece sugerindo um horizonte temático como aquele da “receita culinária”. 

Com os textos de Eco e Volli, aprendemos que há um aspecto do discursividade narrativa que se gesta a partir de condições que encontram-se em qualquer produção textual minimamente signficativa que se queira examinar (a do relato, a da história, a das prescrições de ações cotidianas, a da própria narrativa outras), na medida em que elas todas partilham indistintamente uma espécie de dialética que preside as relações entre, de um lado, a constituição “isotópica” (internamente coerente) de suas seqüências discursivas (na linguagem verbal, são termos simples articulados numa frase, sucessão de enunciados articulados no discurso, suítes de acontecimentos articuladas entre si) e, de outro lado, as apostas inferenciais e interpretativas que são autorizadas pela isotopia desses segmentos, uma vez que impliquem a “enciclopédia” do leitor ou espectador (conhecimentos acerca de outros textos e acerca do mundo histórico e social). 

Nos limites dessa etapa da apresentação do assunto, contudo, basta-nos compreender que a diferença entre topic e “isotopia” é aquela que se instaura entre a dimensão “pragmática” ou “contratual” do estabelecimento de um suposto conteúdo dos segmentos textuais, como atividade da interpretação textual (topic) e um conjunto de propriedades efetivamente manifestas na superfície das seqüências discursivas, definidas como perfil expressamente semantizado do texto (“isotopia”). Mais importante ainda, o fato de que as estipulações de um topic, ainda que sejam atividade presumida da instancia da leitura (caso em que as abordagens semióticas e poéticas coincidem, seja como topic ou “tema”), ainda assim requisitam à instancia da “isotopia” textual a autorização ou a contraparte das marcas semânticas mais explícitas que fundamentam essa interpretação – sem o quê, poderíamos supor que a atividade da leitura não estaria constrita por nenhuma força imanente do texto para estipular um horizonte temático correlativo a sua manifestação. 

“O topic é uma hipótese que depende da iniciativa do leitor (...), que se traduz, por conseguinte, como proposta de um titulo tentativo (‘é provável que estejam falando disto’). Portanto, é instrumento meta-textual que o texto pode tanto pressupor quanto conter explicitamente sob forma de marcadores de topic, títulos, sub-títulos, expressões-guia. Com base no topic, o leitor decide magnificar ou narcotizar as propriedades semânticas dos lexemas em jogo, estabelecendo um nível de coerência interpretativa, chamada isotopia.” (ECO, 1986: 74) 

c. Quando abordamos a contraparte complementar do conceito de "topic", nos confrontamos com as exigências de coerência interna das formas discursivas, algo que caracteriza aquilo que vertentes da semiótica textual desigam como sua "isotopia" - isto é, o sistema de redundâncias de figuras de significação que auxiliam, por sua iteração periódica, os processos nos quais a recepção aventa hipóteses acerca do "topic": em Eco e Volli, descobrimos que, diferentemente do último, a "isotopia" constitui uma propriedade imanente do texto, como sinalização de sua coerência interna e como marcação das condições nas quais a cogitação da recepção encontra suas balizas de orientação, em processos de leitura e compreensão.

Em relação ao problema das feições propriamente narrativas da “isotopia”, fomos conduzidos para as operações do sentido textual através das quais a coerência de uma seqüência discursiva é atualizada sob a forma de “porções de uma fábula” - isto é, como presentificação de “um esquema fundamental da narração” (ECO, 1986: 85), da lógica das ações e de seu curso, envolvendo personagens e objetos do entorno ambiental da história (cenários e ambiências). Neste caso, começamos a nos aproximar de um modelo da “isotopia” que caracteriza em particular as seqüências discursivas estruturadas sob a forma de um segmento narrativo, identificando-a com as variadas modalidades da “disjunção” que opera sintaticamente a ligação entre acontecimentos de uma história (e que pode envolver as “ações”, os “agentes” e seus “cenários”). 

“...uma narração é uma descrição de ações que requer para cada ação descrita um agente, uma intenção do agente, um estado ou mundo possível, uma mudança com sua causa e o propósito que a determina; a isto poderíamos acrescentar estados mentais, emoções, circunstâncias; mas a descrição é relevante (diríamos, conversacionalmente admissível) se as ações descritas são difíceis e somente se o agente não tem uma escolha óbvia sobre o curso de ações a empreender a fim de mudar o estado que não corresponde a seus próprios desejos; os eventos que se seguem a esta decisão devem ser inesperados, e alguns deles inusuais ou estranhos.” (ECO, 1986: 90) 

Diferentemente de outras modalidades discursivas de ordenação semântica das seqüências textuais, a narrativa constitui uma modalidade de representação da “sucessão das ações”, por seu turno pautada pelo princípio de que uma parte significativa (mas talvez não majoritária) de seus episódios e até mesmo de seu topic é constituída, desde sua origem, por um princípio “disjuntivo” de sua própria coerentização: ao caracterizar a seqüência narrativa elementar, Eco a define como envolvendo a potência de gerar intrigas ou “níveis de fábula”, que consistem em uma apresentação problemática dos acontecimentos, ações, caracteres e espaços, e que implicam uma atividade hermenêutica de atualização pela leitura – própria da noção de “leitor-modelo”, constituída na base de qualquer formato narrativo. 

Em suma, a seqüência discursiva que caracteriza narrativas (ao menos aquelas que podem ser teorizadas, em razão de se perfil mais canônico ou convencional) deve implicar uma estrutura de disjunções como constituindo a ligadura entre seus segmentos ou episódios, diferentemente de outras formas discursivas, nas quais a constituição isotópica não implica nenhum problema interpretativo na passagem entre seus diversos segmentos (como em receitas de bolo ou instruções de uso, por exemplo). 

No desdobramento e aprofundamento dessas questões relativas a uma estruturação coerente do tecido sequencial das formas narrativas, fomos enfim levados ao percurso no qual Roland Barthes delineia, em “Introdução à análise estrutural da narrativa”, o forte sentido da funcionalidade que atravessa a sucessão dos eventos que a compõe: considerado um certo passado do discurso teórico sobre “funções” narrativas (que nos restituiria especialmente às idéias de Vladmir Propp sobre como se estruturam narrativamente os contos maravilhosos da cultura literária popular russa), esse tema primeiramente se impõe em diferentes modelos de configuração geral dos episódios de um discurso narrativo, como pensados em autores como Claude Bremond e A.J.Greimas: 

 • seja na perspectiva originária do formalismo de Vladmir Propp (em que a tessitura das ações e de sua sucessão se define pelos aspectos “funcionais” que elas preenchem, para preparar, iniciar, problematizar, desafiar ou concluir os acontecimentos da história); 
 
• ou nas formulações mais sistemáticas do estruturalismo narratológico, em Claude Bremond (em que as seqüências funcionalizam a unidade que a narração institui para as ações, de modo a apresentá-las em seu estado virtual, de realização e de conclusão); 

 • ou finalmente na perspectiva semiótica de A.J. Greimas (que identifica nela a estrutura de ações que são marcadas pelo aspecto do “contrato” - de uma competência adquirida, de sua realização performada e da sanção/prêmio que confirma sua realização).  

Referências Bibliográficas (com as páginas relativas aos temas da unidade): 
BARTHES, Roland. “Introdução à análise estrutural da narrativa”. In et al.: Análise Estrutural da Narrativa: pp. 28 a 43; 
ECO, Umberto. “As estruturas discursivas”. In: Lector in Fabula: pp. 69 a 83; 
GENETTE, Gérard. “Fronteiras da narrativa” . In et al.: Análise Estrutural da Narrativa : pp. 265 a 272; 
TOMACHEVSKI, Boris. “Temática”. In et al.: Teoria da Literatura: formalistas russos: pp. 179 a 182; 
VOLLI, Ugo. “Estruturas”. In: Manual de Semiótica: pp. 82 a 88; 

Glossário de Conceitos 

Discurso/Texto: no sentido intercambiado com o qual se empregam para uma teoria da narrativa, os conceitos de “discurso” e “texto” são, em primeiro lugar tomados como consideravelmente correspondentes entre si – mesmo que não sejam rigorosamente sinônimos; em primeiro lugar, designam uma característica dos fenômenos de sentido, que é o de sua materialização em seqüências lineares (a frase, o enunciado, as sucessões de eventos), articuladas a partir de princípios de redundância (a conjugação verbal com sujeitos da frase; a reiteração da presença de personagens, de cena a cena); em segundo lugar, “textos” e “discursos” não devem ser confundidos com a ordem estritamente lingüística da manifestação do sentido da frase ou da coerência, pois estas características (linearidade e coerência) são igualmente matriciais de outras matérias significantes (como é o caso do discurso audiovisual). Em suma, “discurso” e “texto” designam a ordenação significante de todo fenômeno de sentido, como princípio de “linearidade” e de articulação “coerente” ou “solidária” entre suas partes (sujeito e objeto, na frase; cenas e seqüências, no filme narrativo) 

Mimese/Diegese: tomados em seus sentidos elementares e/ou filológicos, os dois termos designam, respectivamente a “imitação” (substantivo μῑ́μησις, mimesis, derivado do infinitivo μιμεῖσθαι, mimeîsthai, “imitar”) e a “narração” (substantivo διήγησις, diegésis, derivado do infinitivo grego διηγούμαι, diigoúmai, significando “narrar”); no caso de sua incorporação às matrizes poéticas das teorias da narrativa, as duas noções nos restituem a duas grandezas da representação poética, como abordadas exemplarmente em alguns escritos platônicos, assim como na filosofia prática de Aristóteles; para as teorias da narrativa, dois aspectos mais significativos de seu emprego são: em primeiro lugar, no contexto herdado pelas teorias poéticas, mimese e diegese designam grandezas representacionais que consistem em manifestar diretamente as ações, pela performance dos agentes (na cena teatral, no cinema narrativo) ou pela intervenção de uma instancia mediadora da narração (o côro grego ou elisabetano, a voz off ou over no cinema; a ordenação dos acontecimentos pela montagem cinematográfica); em segundo lugar, na tradição dos estudos literários, trata-se de delimitar a mesma diferença, conforme a história apresente-se “narrada” (por uma instância que conta a história ou por um personagem que nos confere seu ponto de vista) ou “imitada” (nas situações de diálogos em modo direto e nas descrições de cenários, objetos e aparências de personagens). 

Topic/Isotopia: estas são noções construídas por diversos autores situados na esfera das teorias semióticas do texto (e da narrativa, em particular), e que designam duas facetas da ordenação do sentido textual, na medida em que envolvam uma dimensão de “imanência semântica” (isotopia) ou de “pragmática contratual” (topic). No caso da “isotopia”, trata-se de uma idéia, particularmente elaborada por A.J.Greimas, e que consiste em identificar na matriz significativa do discurso (não apenas o narrativo) a recorrência de determinadas figuras semânticas (por exemplo, no plano da linguagem, a conjugação verbal, a implicitação do sujeito de certas frases, as relações temporais da sucessão entre enunciados sucessivos) que estruturam determinadas “chaves de leitura” ou “percursos de sentido” que o texto apresenta para um horizonte de sua compreensão; na medida em que estas marcas são inscritas ao texto, em seus devidos lugares (esta é precisamente a raiz etimilógica de “isotopia”, iso=correto, próprio; topos=lugar), elas constituem propriedades internas do discurso, sem os quais ele não é nem significativo tampouco compreensível. 

A idéia de topic, em certa medida, deriva dessa condição semanticamente interna das operações textuais (sendo os discursos artísticos e místicos possíveis contra-exemplos desse princípio): elaborada principalmente por Umberto Eco, a idéia de topic oferece um complemento à de “isotopia”, na medida em que concebe que estas marcas de coerência semântica interna necessitam ser acionadas pela instância da leitura, de modo a podermos inclusive dizer que uma operação textual rigorosamente acontece (pois sem a atividade da leitura, os textos são “letra morta”): assim sendo, aquilo que a isotopia inscreve como marcas semânticas necessita ser reconhecida pela leitura, de modo a que o texto possa se efetivar – e o resultado dessa operação contratual entre texto e leitura assume a forma do topic (isto é, dos horizontes temáticos de qualquer seqüência discursiva). 

Na prática, os sinais de topic são variados, em natureza e em grau – e dependem sempre dos horizontes de enciclopédia de leitura e compreensão que o texto presume, como níveis de sofisticação interpretativa; para além disto, eles sempre implicam a mobilização daquilo que o texto põe em jogo, como sinais de sua coerência: portanto, o topic sempre invocará como objeto algum item da isotopia discursiva (nomes de sujeitos ou coisas; lugares, cenários; épocas, tempos, eras, acontecimentos, e assim por diante). 

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